terça-feira, 16 de maio de 2006

minha manhã de Harry Potter

encontrei o padre Ademar na varanda do prédio central do Seminário. Eu estava de saída, ainda segurando os livros que usara na aula. Ele conversava com um dos seminaristas. Eu, que não conhecia o jovem, logo me apresentei. Apertamos as mãos. Ele disse seu nome, mas minha atenção se fixou em seus óculos: minha memória reteve apenas sua imagem. O padre perguntou da política e dos conflitos do prefeito com alguns grupos da cidade. O seminarista ouvia atento. Respondi que mudanças políticas costumam não ser delicadas e que eu esperava que isso fosse apenas o começo, pois a cidade precisa de uma transformação profunda. O jovem noviço fez uma pergunta, na verdade uma afirmaçào: ele queria que essas transformações não causassem mal a ninguém - que fossem pacíficas e benéficas a todos. Eu o olhei pelos óculos e vi que atrás das lentes seus olhos se encheram de lágrimas. Naquele segundo que nào se mede a duraçào, não sei bem o que pensei. Mas lhe respondi, com o meu melhor senso comum, que contentar a todos é impossível, pois vivemos uma crônica desigualdade social e toda pessoa que tem poder de decisão, como um prefeito, haverá de optar entre um caminho ou outro. Ele se conteve, constrangido pela própria demonstração de sensibilidade. Um silêncio breve se instalou entre nós três e nos despedimos. Eu entrei no carro, logo alcancei a estrada. A manhà ainda estava fria, embora o sol que tudo ali iluminava. Percebi que não havia vento e eu, de dentro do carro, era mais um personagem da nossa irrealidade cotidiana.

Um comentário:

Homenagem à "Graúna", do Henfil

No final da década de 1970, eu era apenas um adolescente curioso quando, por acaso, frequentando a banca de jornais da rodoviária de Itapeti...